Software que analisa posts para verificar a tendência a cometer crimes começa a ser usado
Autoridades recorrem a controverso cruzamento de dados para vigiar suspeitos e ‘prevenir’ crimes
Uma tecnologia é capaz de identificar pessoas com maior probabilidade de cometer crimes violentos e, assim, ajudar autoridades a impedir que ocorram. Parece uma versão 2.0 do enredo do filme de ficção científica “Minority report” (2002), mas trata-se de uma solução já em testes pela polícia de Londres, que exemplifica como o uso do chamado big data, a análise do gigantesco volume de informações em circulação na rede, está no alvo da segurança pública em diversos países, inclusive no Brasil. O tema é tão palpável que já levanta discussões a respeito dos limites éticos do monitoramento e da coleta de dados de cidadãos pelas autoridades, com os eventuais abusos que podem decorrer disso.
Se, no filme estrelado por Tom Cruise, os policiais faziam uso dos poderes de indivíduos paranormais para prever assassinatos, no mundo real a tecnologia testada pela Polícia Metropolitana de Londres se baseia num software que chega até a bisbilhotar o que “potenciais criminosos” escrevem na sua página do Facebook, por exemplo. Desenvolvido pela companhia Accenture, o programa “preditivo” é capaz de combinar informações de diferentes bases de dados para produzir as avaliações de risco.
— A polícia tem recursos limitados, e você precisa direcioná-los de forma eficiente — afirmou Muz Janoowalla, chefe de análise de segurança pública da Accenture, à rede "BBC". — O que o programa faz é dizer quem são os indivíduos que apresentam maior risco.
O sistema foi testado pela polícia londrina em um estudo de 20 semanas, com o uso de cinco anos de dados históricos. No experimento, o programa combinou informações de quatro anos sobre membros de gangues de 32 bairros de Londres, processou-as e determinou a probabilidade de esses indivíduos cometerem novos crimes. Os resultados foram então comparados aos atos de agressão registrados no quinto ano para indicar o grau de precisão do software.
— O que fizemos foi vasculhar dados de inteligência e os antecedentes criminais de indivíduos conhecidos, para então chegar a um modelo de avaliação de risco — disse Janoowalla, afirmando estar confiante sobre o desempenho da ferramenta, mas sem revelar os critérios pelos quais ela foi avaliada.
RISCO DE MONITORAMENTO ABUSIVO
Ainda que possa acenar com uma redução da criminalidade, o uso do big data para a segurança pública exige cautela. É o que pregam entidades e especialistas preocupados com as repercussões de um possível abuso da tecnologia pelas autoridades.
— Soluções desse tipo (como a do Reino Unido) correm o risco de transformar injustamente grupos de pessoas em alvo, fazendo com que se sintam estigmatizados — afirmou Daniel Nesbitt, diretor da ONG Big Brother Watch, que luta pela proteção de liberdades civis.
Tal uso não é exclusividade britânica. No Brasil, um convênio firmado pela Microsoft e pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo este ano promete fazer uso da tecnologia para auxiliar as autoridades com alarmes preventivos baseados em padrões criminais (saiba mais no texto ao lado).
A própria Accenture já oferece soluções semelhantes na Espanha e em Cingapura: enquanto as forças de segurança espanholas vêm usando aplicações para identificar locais com maior probabilidade de crimes, o país asiático tem testado softwares que alertam as autoridades a partir do monitoramento em vídeo de multidões, tráfego e eventos.
Já a empresa PredPol desenvolveu um “mapa do crime inteligente” que está em funcionamento em 12 cidades americanas, no Reino Unido e no Uruguai. Com a análise de grandes bases de dados, ele determina em quais dias e horários determinados crimes têm mais predisposição de ocorrer em uma região.
Segundo um relatório do FBI, as experiências são bem-sucedidas. Em Santa Cruz, na Califórnia, o sistema ajudou a polícia local a reduzir os assaltos em 19% em seis meses, e foram feitas 24 prisões em flagrante nos pontos indicados pelo mapa, indica o documento.
— Os mapas do crime tradicionais permitem olhar o que aconteceu no passado. O PredPol usa esses dados para indicar onde os crimes têm mais predisposição de acontecer no futuro — disse Jeff Brantingham, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles e cocriador da ferramenta. — O PredPol prevê cerca de 200% mais crimes que as melhores práticas existentes, segundo resultados em testes aleatórios controlados em Los Angeles e Kent England.
Cientista-chefe do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de big data da empresa de soluções tecnológicas EMC, Karin Breitman afirma que a aplicação preditiva da tecnologia é algo utilizado há anos pela iniciativa privada, como instituições financeiras. Agora, no entanto, com o barateamento e a maior capacidade de coleta e processamento de dados, seu uso vem se expandindo para setores públicos, como o de segurança.
— A partir do processamento e da combinação maciça de dados é possível utilizar modelos matemáticos para prever comportamentos e deslocamentos de massas e obter indicações de situações de perigo — explica. De acordo com Carlos Tunes, executivo de big
data da IBM Brasil, a novidade do uso dessa tecnologia para fins de segurança está em possibilitar às autoridades lidar com dados dinâmicos, gerados em tempo real — imagens de câmeras, perfis de redes sociais, sensores:
— São soluções capazes de olhar e avaliar não só o indivíduo, mas o contexto de uma situação, como aquela que temos em grandes eventos como as Olimpíadas. Isso permite que as entidades de segurança ajam com mais eficiência de forma preventiva, ou mesmo reativa.
Gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV-Rio, Marília Maciel afirma que a tendência traz duas preocupações principais à sociedade civil: a crescente privatização da segurança pública e a ausência de princípios básicos que estabeleçam limites à vigilância dos cidadãos.
Na percepção da pesquisadora, algum grau de vigilância, aliado às soluções de big data, podem trazer grandes benefícios à sociedade. Mas, para isso, é preciso que esse monitoramento tenha limites, seja usado somente em casos realmente necessários e seja proporcional à sua finalidade.
— Não me parece proporcional monitorar toda uma população para pegar apenas um grupo de indivíduos — afirma ela.
Fonte : OGLOBO
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